Dizendo melhor, eu é que andava meio esquecido do Alberto.
Mas eis que hoje ele me salta de dentro da mala e diz:
"- Eu vi seu poema!"
Assim, sem mais, depois de tanto tempo calado, até assustei! Mas me refiz, como se tudo estivesse na mais completa normalidade.
- Qual poema? - Perguntei!
"- O de ontem!
O dos rabiscos."
Ah! Estava fácil! Ontem só escrevi um poema: - o dos rabiscos!
- "Deus em Tudo", você quer dizer!
"- Sim. Esse mesmo.
Por que o batizou de 'Deus em Tudo'?"
- Porque, em primeiro lugar, eu acredito que Deus, de fato, está presente em tudo. Depois, porque aquilo é um poema concreto, e lá se leem as duas palavras: "Deus" e "Tudo"!
O Alberto refletiu por alguns instantes e perguntou:
"- Só vejo rabiscos!
Porque você me diz que há palavras
Onde só existem rabiscos?"
- Jura que você não enxerga as palavras?
O Alberto calou-se, pareceu meditar profundamente, e não respondeu minha pergunta!
"- Deus não está em tudo! - Emendou -
Só na Natureza.
E Deus não está na natureza.
E Deus não está na natureza.
Você e os outros poetas místicos
Procuram ver nas cousas, mais do que as cousas são.
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.
É loucura viver dessa maneira,
Porque viver dessa maneira
É como um barco de papel
Que uma criança faz
E navega na superfície dum lago.
Ele fica flutuando lá em cima
E pensa que sabe o que acontece no interior do lago,
Mas nunca viu os peixes,
Nem os filhos dos peixes
Nem nada que existe na profundidade do lago.
Só imagina!
Quando este barco ver o fundo do lago
é porque afundou.
Ele navegou sempre,
Mas nunca soube o que existe.
Só imaginou!"
Ah! Eu fiquei intrigado com esse desaforo do Alberto!
Intrigado como se eu fosse um barco de papel a navegar no fundo do lago!
Mas respondi à altura:
Intrigado como se eu fosse um barco de papel a navegar no fundo do lago!
Mas respondi à altura:
- Sabe, Alberto,
não entendo como podemos ser amigos!
Eu penso exatamente o contrário.
Para mim, quem só vê o que está ao alcance dos olhos,
que só acredita naquilo que pode tocar,
esse é quem está navegando na superfície,
esse é o barco de papel,
restrito ao horizonte limitado do seu lago,
e destinado a naufragar.
O poeta místico, meu caro,
não é como o barco de papel na superfície do lago;
é, sim, como a criança que fez o barco
e que, na sua inocência,
ali enxerga um imponente navio.
Ela o torna real em seu pensamento
e, mais tarde, na sua vida.
Porque é isso que o pensamento faz!
O Alberto franziu a testa, numa expressão de quase contrariedade, fazendo um silêncio interminável. Por fim, abusando da sabedoria incompreensível que lhe é peculiar, saiu-se com esta:
"- Gosto de Crianças!"
E continuamos amigos.
Gilberto de Almeida
03/09/2013
Muito bom meu amigo... muitas pessoas ainda não abrem os olhos p'ra ver a verdade.
ResponderExcluirObrigado, Simon! O difícil é abrir os olhos embaixo d'água! Rsrs!
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